No dia de Ano Novo, o gás russo parou de fluir pela Ucrânia.
Kiev considera este um dia “histórico”, já que a sua recusa em prorrogar um acordo de trânsito com a russa Gazprom interrompeu o fluxo de retorno de dinheiro para financiar a invasão em grande escala da Ucrânia.
Mas na vizinha Moldávia, a medida ameaça causar uma crise.
Aquecimento na Transnístria
Na Transnístria, uma região separatista do leste da Moldávia leal a Moscovo, o ano começou com apenas hospitais e infra-estruturas críticas a serem aquecidos, e não casas.
“A água quente ficou ligada até cerca das 2h, eu verifiquei. Agora está desligada e os radiadores mal esquentam”, disse Dmitry à BBC por telefone, de seu apartamento no enclave.
“Ainda temos gás, mas a pressão está muito baixa – apenas o que resta nos canos.”
“É o mesmo em todos os lugares.”
A Transnístria separou-se do resto da Moldávia numa curta guerra enquanto a União Soviética se desintegrava. Ainda tem tropas russas no seu território e uma economia que depende totalmente do gás russo, pelo qual as autoridades de Tiraspol não pagam nada.
“Eles apenas têm um arquivo que indica quanto é a dívida em cada mês”, explica Jakub Pieńkowski, do Instituto Polaco de Assuntos Internacionais, PSIM. “Mas a Rússia não está interessada em pedir esse dinheiro.”
De repente, essa tábua de salvação através da Ucrânia foi cortada.
Em algumas cidades da Transnístria, as autoridades estão a criar “pontos de aquecimento” e existem linhas diretas para ajudar a encontrar lenha. As famílias foram aconselhadas a se reunir em um cômodo para se aquecerem e a selar as rachaduras nas janelas e portas com cobertores.
O dia de Ano Novo no enclave trouxe sol, mas a temperatura durante a noite deverá cair abaixo de 0°C.
“Está frio agora dentro do apartamento”, diz Dmitry, morador local. “E não sabemos que geada trará janeiro.”
Ameaças de apagão
A eletricidade ainda está fluindo, por enquanto.
Mas a principal central eléctrica da Transnístria, em Kurchugan, já está a ser alimentada por carvão em vez de gás russo e as autoridades dizem que só há energia suficiente para 50 dias.
Isso significa problemas para o resto da Moldávia, que obtém 80% da sua electricidade a partir de Kurchugan.
O governo de Chisinau afirma que tem gás suficiente para aquecer o país até à Primavera e que passará a comprar electricidade à Europa, mas isso significa um aumento gigantesco nos custos.
O estado de emergência foi introduzido no mês passado e as empresas e os cidadãos foram instruídos a reduzir o consumo, com o país preparado para cortes de energia.
A interrupção abrupta do fornecimento de gás através da Ucrânia afecta também a Eslováquia e a Hungria.
Ambos têm governos simpáticos a Moscovo que têm sido muito mais lentos do que outros na UE em se livrarem do combustível russo e em parar de financiar a guerra da Rússia. Pagar mais por fornecimentos alternativos irá comprimir os seus orçamentos.
Mas a Moldávia é mais pobre e menos estável – uma crise prolongada poderia ter graves consequências económicas e políticas.
Pode muito bem ser isso que Moscovo pretende.
A Rússia poderia fornecer aos seus aliados na Transnístria através da Turquia, embora a um custo mais elevado, o que significaria electricidade para toda a Moldávia.
Em vez disso, a Gazprom alega que suspendeu os fornecimentos porque Chisinau tem uma dívida de quase 700 milhões de dólares. O governo da Moldávia afirma que uma auditoria internacional estimou o montante real em cerca de 9 milhões de dólares, que já foi na sua maioria reembolsado.
Jogando política?
“Estamos a tratar isto não como uma crise energética, mas como uma crise de segurança, induzida pela Rússia para desestabilizar a Moldávia tanto económica como socialmente”, disse Olga Rosca, conselheira de política externa do presidente da Moldávia, à BBC.
“Esta é claramente uma operação de modelação antes das eleições parlamentares de 2025, para criar a exigência de um regresso ao poder das forças pró-Rússia”.
As relações entre a Moldávia e Moscovo são tensas.
Outrora parte da URSS, o país iniciou conversações para aderir à UE e afastou-se ainda mais firmemente da Rússia desde a invasão em grande escala da Ucrânia.
A Presidente Maia Sandu foi reeleita no ano passado, apesar das evidências de uma campanha massiva contra ela liderada por Moscovo.
Não parou.
Antes da sua tomada de posse, a agência externa de inteligência russa SVR emitiu uma declaração bizarra alegando falsamente que planeava retomar a Transnístria à força para restaurar o fornecimento de energia. Pintou o presidente como “frenético” e “emocionalmente instável”.
O analista Jakub Pieńkowski concorda que o Kremlin está a explorar a decisão de Kiev de proibir o trânsito de gás russo.
“É uma razão para abordar algumas questões políticas e sociais na Moldávia”, argumenta. “Os preços da eletricidade já subiram cerca de seis vezes em três anos e as pessoas estão indignadas.”
À medida que a situação humanitária na Transnístria piora, a pressão sobre Chisinau aumentará. Mas Tiraspol recusa toda ajuda, até mesmo geradores.
“Eles criarão uma narrativa de Chisinau congelando a Transnístria até a submissão”, acredita Olga Rosca.
E mesmo que Tiraspol opte por comprar gás noutro local, o impacto na sua economia poderá ser desastroso.
“Os preços aqui disparariam, inclusive para aquecimento e alimentos. Mas as pensões aqui são mínimas e não há trabalho”, disse-me Dmitry, de Bendery, na zona tampão nos limites da Transnístria.
Ele diz que as pessoas lá mal se “agarram” do jeito que estão. Agora a vida em outros lugares da Moldávia também ficará mais difícil.
“A Rússia pode esperar pelas eleições e então os partidos que não são pró-UE provavelmente vencerão”, prevê Jakub Pieńkowski.
“Porque Maia Sandu pode falar sobre a adesão à UE. Mas de que adianta isso se as pessoas não têm dinheiro para electricidade ou gás?”
“Este é o objetivo da Rússia.”