Agronegócio
Enredo de carnaval revolta o agronegócio
- Silvana Ribas - A Gazeta
Samba em descompasso com o tempo, não com a bateria. É assim que o historiador Suelme Fernandes, atual secretário de Agricultura Familiar e Regulação Fundiária do Estado de Mato Grosso define o tema polêmico da escola Imperatriz Leopoldinense, que desfila na elite do carnaval carioca em 2017.
Tão logo a letra do samba, temas de alas e alegorias passaram a ser divulgados entidades que representam o agronegócio em vários estados se pronunciaram, inclusive com notas de repúdio contra a Imperatriz.
Nela o agronegócio é o vilão em um país de belezas naturais intocadas, lembra Fernandes. Assegura que o tema seria apropriado sim, mas para um desfile da escola na década de 80, onde a realidade de devastação era outra.
A partir da Eco 92 assegura que as mudanças vieram e hoje a preocupação é com a sustentabilidade. Cita o exemplo concreto da desintrusão da Terra Indígena de Marãiwatsédé, localizada no noroeste do Mato Grosso, que permitiu a retomada da posse da terra para o povo Xavante.
Como historiador, acredita que a escola do enredo não foi aleatória e atendeu a algum interesse. Lembra que a indústria do Carnaval não se trata de uma festa lúdica, de marchinhas e blocos carnavalescos.
A música é assinada pelos compositores: Moisés Santiago, Adriano Ganso, Jorge do Finge e Aldir Senna. Nela é citada a cobiça do “belo monstro que rouba a terra dos seus filhos”, referindo-se aos indígenas do Xingu.
O carnavalesco Cahê Rodrigues, 40, que trabalha há cinco anos com a escola, diz que o intuito foi de homenagear os indígenas da região e a luta pela preservação da floresta e cultura. A entrevista foi divulgada pelo site Carta Capital, na última terça-feira (10)
A música também critica o extrativismo insustentável, a hidrelétrica de Belo Monte e agradece aos irmãos Villas-Bôas, enquanto as alas mostram a exuberância da cultura indígena e os males que os afetam, como desmatamento, uso agressivo de agrotóxicos, queimadas e poluição.
Uma das fantasias, em especial, desagradou parte do setor do agronegócio. Ela mostra um fazendeiro, com um símbolo de caveira no peito, a pulverizar agrotóxicos.
Para elaborar o tema, o carnavalesco carioca estudou durante quase um ano os povos do Xingu, e passou quatro dias em uma oca, vivendo ao lado deles.
“Eu vi quanto o índio depende da floresta para sobreviver e quão forte é o contato com a terra, com o verde. Logo pela manhã, quando acordei, vi curumins brincando de correr atrás de borboletas, é a brincadeira preferida deles, e subindo em árvores para pegar uma fruta, descascar e comer com a mão. O índio é a própria natureza. E quando você agride a natureza, está agredindo diretamente a vida do índio”, conta Cahê.
O medo e a ameaça de uma nova invasão, de perderem seu espaço de direito, que os índios vivem quase diariamente também marcou Rodrigues. “Pude sentir na pele essa angústia, e a Imperatriz não está inventando nada, faz parte da história do Brasil”, diz na entrevista concedida à jornalista Ingrid Matuoka.
Mas para o agronegócio denegrir a imagem dos produtores como “monstros” que roubam a terra é atitude leviana e inconsequente. Tanto que as associações da classe se uniram em protesto, vindo de todas as regiões do país.
Letra do samba enredo com o tema: Xingu, o clamor da floresta
Brilhou a coroa na luz do luar!
Nos troncos a eternidade a reja e a magia do pajé!
Na aldeia com flautas e maracás
Kuarup é festa, louvor em rituais. Na floresta harmonia, a vida a brotar
Sinfonia de cores e cantos no ar.
O paraíso fez aqui o seu lugar.
Jardim sagrado o caraíba descobriu
Sangra o coração do meu Brasil
O belo monstro rouba as terras dos seus filhos
Devora as matas e seca os rios
Tanta riqueza que a cobiça destruiu
Sou o filho esquecido do mundo
Minha cor é vermelha de dor
O meu canto é bravo e forte
Mas é hino de paz e amor
Sou guerreiro imortal derradeiro
Deste chão o senhor verdadeiro
Semente eu sou a primeira
Da pura alma brasileira
Jamais se curvar, lutar e aprender
Escuta menino, Raoni ensinou
Liberdade é o nosso destino
Memória sagrada, razão de viver
Andar onde ninguém andou
Chegar onde ninguém chegou
Lembrar a coragem e o amor dos irmãos
E outros heróis guardiões
Aventuras de fé e paixão
O sonho de integrar uma nação
Kararaô Kararaô o índio luta pela sua terra
Da Imperatriz vem o seu grito de guerra
Salve o verde do Xingu a esperança
A semente do amanhã herança
O clamor da natureza
A nossa voz vai ecoar preservar
deixe sua opinião
Máximo 700 caracteres (0) 700 restantes
O conteúdo do comentário é de responsabilidade do autor da mensagem.
Clicando em enviar, você aceita que meu nome seja creditado em possíveis erratas.